coisas que cortam
poema de Denise Freitas
Outras coisas cortam
Umas quantas sombras, leva, atravessam
todo território.
Centenas de corpos muito mais que sombras
aterroram
massacres e a tonelada de equívocos que os
acompanha.
Ainda assim, sobram outras coisas sob o
fumo das gentes.
Perto dali, crianças andam ruas onde não
há calçada; no mesmo
caminho, uma delas cruza manhãs e restos
que não são seus.
Sobra para ela, que leve, seu rumo frágil
e de mais dois irmãos.
Ainda assim, pesam outras coisas sobre o
sono das gentes.
O solo se desdobra, reveza de alto a raso
o escuro líquido
que corre ao lado. Dentro desse veio
adormece outro rio-rastro
todo força revestida daquilo que de hora
em hora desiste.
Ainda assim, outras coisas cortam desde o
leito das gentes.
No fim da tarde, meninas trocam entre si
alguns enfeites.
Como quem fala histórias de assombro,
ensinam umas às outras
truques de evitar estupros, e o que há nas
cadeias, e nas bocas.
Ainda assim, sempre mais ilusão recobre o
horror das gentes.

Comentários
Postar um comentário