dois ovos (comunicado)

poema de Demétrio Panarotto





Dois ovos (comunicado)

                                                                                       

Viemos por meio desta comunicar que, a partir da data corrente, os poetas-galinha terão que colocar dois ovos por dia.
É a crise.
Quem não conhece o dia a dia dos poetas-galinha pode até pensar que esse comunicado seja arbitrário; tranquilizem-se, eles vêm sendo treinados metodicamente nos últimos anos.
É o método.
É o sistema.
É a literatura.
Sinalizamos, ainda, que, para atestar a boa procedência do produto, os ovos devem todos eles ser do mesmo tamanho, ter a mesma cor da casca (fina, mas sem estar trincada) e não podem ter resíduos ou cheiro de cu.
Lindo, né?
Para aumentar a produção e manter a excelência, foram necessários alguns ajustes práticos:
1)      a partir de agora, ao menos dentro dos galinheiros, todos os dias terão duas noites para que os poetas-galinhas durmam e acordem mais de uma vez e se sintam estimulados a sentar em frente ao computador e dar vazão a sua imensa criatividade;
2)      a temperatura dos ambientes (a mercê dos abençoados ares-condicionados) foi regulada e se manterá estável o ano inteiro;
3)      as tele-entregas de ração (seja para os poetas vegetarianos, veganos ou carnívoros) também se adaptarão aos novos horários; e
4)      as janelas e sacadas dos galinheiros permanecerão as mesmas, com a imagem da cidade bem ao fundo, longe e tão perto que nem parece fotografia.
Todas as galinhas, considerando os ajustes, parecem dar o melhor de si para se adequarem a essa nova experiência.
Vale lembrar que as associações de poetas, as academias (inclusive as universitárias) e as editoras, cada qual ao seu modo, criaram um selo que atesta a sanidade dos animais e dos produtos.
Quanto à saúde, aos olhares externos, as galinhas parecem estar bem; para isso, tomam constantemente antibióticos, antidepressivos, ansiolíticos, remédios para o estômago, para dor nas costas, enfim, as boletinhas necessárias para que todos pareçam saudáveis.
Ah, sim, e fazem análise (clínica, de vez em quando) e terapia também.
Diante disso, o selo de qualidade da crítica e da falta de crítica parece apenas mera simbologia.
Aos interessados, aguardem outras notícias na próxima edição.
Aos desinteressados, um vale-poeta-galinha. Ao juntar dez vales e montar na cartela a carinha do seu(sua) poeta preferido(a), um brinde surpresa.
Boa sorte.

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