joão josé reginaldo

poema de Eliane Marques







João José Reginaldo


Lá, onde o correio não entrega cartas e muito menos foi pasárgada
os patrulheiros da brigada mandam seus recados à bala (com perfume de rosas)
melhor ainda se for num sábado, diante de alguma casa caiada
em que se dessangra a mesa e os armários  

Lá, desde o cocoricó dos galos, se aprende o oficio de içar dos valões os mortos
Como se fossem peixes cuja carne serviu de alimento aos porcos

Estamos na terceira segunda-feira de março
Março será o mais cruel dos meses até a chegada do próximo
As bocas de fumo fechadas. As bocas das gentes costuradas
E dois corpos achados em uma zona rala de mata 

Agora há pouco, alguns foram novamente içados
Tiveram a audácia de andar por aí como João José Reginaldo

João 23 anos
Com um tiro no braço esquerdo e outro nas costas
Socorrido num carrinho, desses em que se carrega o cimento e a enxada
Dizem que morte colateral
Mas morte pública e anunciada

José 39 anos
De bruços bermuda camisa com a foto de um pássaro
Um pastor alemão abandonado lhe lambe os olhos

Reginaldo idade insabida
Negro forte de feições marcadas e cabelo raspado
Alguns metros adiante, em uma descida um pouco mais abaixo,
Um cortejo de moscas à sua volta

O caveirão passa como se as lâmpadas das ruas estivessem apagadas


João
José
Reginaldo

Foram os três assassinados
Por um mundo sem olhos e com cheiro de pólvora
Estavam os três queimados
Por um muro de sangue e furos de bala

João
José
Reginaldo

Estão os dois enterrados
João num cemitério em acari
José num ramo de flora
Reginaldo, não se sabe

O procuraram nos bares nos bailes funk cemitérios e templos evangélicos
Abriram as gavetas e os armários
Revisaram as bolsas das empregadas domésticas
Destroçaram alguns esqueletos já olvidados
E não o encontraram

João
José
Reginaldo

Por nossa alegria de látegos

E o caveirão passa como se as lâmpadas das ruas estivessem apagadas


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