remadora da maré
poema de Eliane Marques
REMADORA DA MARÉ
Estamos cheias de balas de
fuzis na cabeça no pescoço
Com balaços extraviados e
achados nos ossos nas costas
Estamos no Estácio
Mas não morrendo de amor
A partir de ontem
Se alguém me quiser matar de
amor que erga a voz do meu lado
Vivo dos estilhaços da palavra
ódio
E grito cada vez mais alto
Não, não mandem que eu fale
baixo
E nem que eu seja branda como
um branco diplomata
Estou com todos os dedos
cortados
Entendam
Carrego dos cabelos das minhas
antepassadas esse dorido ódio
O meu ódio é mais antigo que os
astros
Ele vem dos porões onde os sequestrados
Então, não mandem que eu fale
baixo
Nem me perguntem se estou braba
Sou mais uma remadora da maré
e esse o meu retrato
Cuidado. Não se faça de
desavisada
Nem dance entre os destroços
Eles vêm rápido
E tropeçam com nosso hábito de
não fazer nada
Vêm rápido
E ordenam os silêncios à nossa
volta
Vêm rápido como o trem-bala
Vêm rápido
E espalham seu cheiro de
fumaça podre entre os nossos
Mas no chão, além dos mortos, há
um retrato de mulher sem rosas
Marielle da maré
Que se
faz presente
A remadora desde séculos
Entendam, por favor, porque
não podemos falar baixo
Estamos com quase todos os
dedos cortados
A poesia, a arte, em favor da vida e da humanidade. Muito lindo neste momento de horror e tristeza.
ResponderExcluir