no vau da Tempestade
poema de Kleber Ramon
ÁFRICA, no vau da Tempestade
Nos anos finais do século Quinze
A Europa imerge nos mares de África.
Contornado-a, apossam-se da terra.
Armas de fogo e recursos da língua.
Portugueses,
ingleses, espanhóis
E
outros mais que se enxergavam maiores.
Da Igreja,
a parcimônia – cristandade.
Disfarçados
chegaram de homens bons.
Invadida
o ventre, talhada em partes;
Os maiorais
dos brancos traçam linhas
Divisórias
sobre povos, etnias.
Brancas
posses: da terra às criancinhas.
Por
causa disso e mais, até agora:
O caos,
agonia de febre terçã.
Da
África mãe, órfãos mundo a fora;
Rogantes,
herdeiros de Caliban.
Colônia
por quase quinhentos anos,
Da
tirania e cobiça da Europa;
Reflete
e marca a vivência de agora
Norte
ao sul do Continente africano:
Em
Maputo, musseques e o lixão;
Em
Luanda muitas vozes se calam;
A
Guerra Civil; a Esmola de Merca.
Fome
de ser, inda mesmo sem pão.
No
Congo os cotocos, homens sem mãos:
“Belgians
did it” (e o Kongo ou o Lingala?),
Um
ancião mostra o punho, enquanto fala.
O
irmão enforcado, ele sem as “pinças”.
Se um
homem do Congo não bate palmas;
Isso,
o mundo não escuta calado.
Pessoas
gritam, falam, protestando;
Fazendo
tremer o chão onde pisam.
(Um
coração banto é pulso e calor).
Em
todo lugar do mundo há uma África
Inteira
– mar e terra sem fronteira –
À viva
voz, que é um som de tambor.
O
gostar de viver é próprio seu.
Cheios
de cores e espírito forte,
Alegram
e se espelham nos mais velhos,
Negando
a maldade, num ritual.
Grande
é a África, e o mundo gira.
De
manhã, à tarde e à noite, gira.
E uma pomba – branca – ‘gira’ também,
Num
compasso repassado em terreiro.
Alem
dos vivos, mortos vêm do além.
Ou alegres
ou tristes, eles vêm.
E
bebem na cuia e fumam cachimbo;
Cantam
e dançam por religião.
A
lembrança é um testemunho fiel.
_
Senzala e a tala no lombo foi
Coisa
de ontem? Por certo que não.
No
trabalho, nas ruas: mais um boi?
Certo
que sim. Só Bumbá, desde então
É um
boi-de-rua: pintado, fingido
De
homem/boi; colorido e brincalhão,
Que
espia o instante e o lugar pisado.
Espaço
e tempo já visto e revisto,
Doe
carne, doe alma, por tudo isso.
_
você é um homem ou é um chouriço?
Seu
porco, macaco, cara-de-peixe! –
Gargalha
Próspero, já de manhã.
Numa
ira indisfarçada e feliz
E,
cheia de banhas, flácidas banhas.
Brancas,
mornas e cruas essas, que
Agitadas
pela maldade própria,
Avermelham-se
aquecidas e fritam;
Tostam-se
no retumbante alarido
De um
rito antropofágico (reverso).
A
África lança um grito estridente
E
chora de mágoa, chora de dor.
Pois
que, do banto, por último o manto
Que
lhe confortava o dorso, tirou.
Gana
de nêgo não é coisa vã,
É
vontade voraz, em dor ou festa.
Fita e
espelho colados na testa;
Bandeiras
tintas, e todos de branco;
Todo
dia, libertamos um pouco
Do que
reprime por causa da cor.
A cor
da pele que nos tinge o sangue
Pulsante,
efervescente, libertino.
Não há
raças, tampouco a maioral.
Todo
mundo tem direito ao seu mundo
E, o
mundo não requer dominação.
Ele
quer, e precisa de cuidados.
Kleber é maravilhoso. Além de poeta é artista plástico. Tenho a sorte de ter feito alguns trabalhos com ele: sarau, exposição "o boi e a cerca, mas o que mais gosto foi uma performance que fizemos no Festival de artes elementares de Barão. Aquela noite ficou na minha alma. De uma apresentação das poesias, com Kleber fazendo um acompanhamento musical e as emoções aumentando, começamos improvisar e fizemos uma linda performance. Grata, poeta.
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