o povo de deus


poema de Cristiano Moreira



 [foto: Sandro Silva]



O povo de Deus


não se trata apenas de corpos não se trata
de matéria que se desfaz como pó
pele e ossos com o pó das ruas anônimas
os corpos nessa terra sagrada canaã, sião
cujas semelhanças são, não são meras coincidências
sofrem como há milênios, sofrerão
a crença vã de acreditar na igualdade
sem nomes estão diante do estado
do pai que mata ou deixa viver
os corpos moídos na castanha
dos obséquios eleitorais, da voz
mais fraca que a foz de uma vala
da fala que repete o podre nas salas
a faca que avança como as marés
de chorume das câmaras legislativas
e licenças ambientais
nada entendem de corpos dignos
sião. serão os teus, aqueles que provam
a resistência dos corpos testados
a multiplicação dos mortos que andam
vivos pelo bairro acenando para câmera
sião, serão menos que promessa, serão
como o fosses algum dia na escritura
serão menos que gente essas criaturas?
sião, és fortificação e as portas de jerusalém
ainda se mantém fechadas apesar
de tua força, da multiplicação de teu nome
como promessa de eterna miséria

as rabiolas, bicicletas, cães, varais
as bolas de futebol e bonecas tristes
marcam a presença da infância
sua prístina tarefa de resistência
sua crítica errância entre doenças
as cores nem sempre refletem
os adjetivos que lhes damos
o verde aqui não é mais que mato
crescendo ao lado de barracos
o azul não passa de roupa, tinta
que mal cobre uma parede e divide
espaço com tapumes ou lonas.
sem teto, sem chão, sem pigmentação
mesmo que haja bikes, fitas coloridas
que disfarçam a fome , a força das crianças
por trás da cárie, das vermes, dos pés descalços
essa força tem sua hora de sono,
certamente de sonhos
muitas vezes sem uma cama
a infância é forte, tem que ser rude
infantaria que luta com mães
e latas d’águas trazidas de longe
cobertas divididas ao lado
de esgotos mal cobertos
canaã, monte sião
terras prometidas para a dignidade
dos povos cuja história
apenas a oratória apreende
as imagens mostram os corpos
na estrada e o tempo que os aperta
o capital os oprime. derruba a fortaleza espiritual
não se trata apenas de corpos não se trata
de matéria que se desfaz com o pó, e como pó
pode ser soprada para longe
como partículas anônimas, desprovidas do próprio
sopro que faz suas flores brotarem no olhar
embora esquecidas.
os corpos são animados, habitados por almas
e a estes movimentos chamamos vidas



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