rapsódia para um desastre


poema de Duan Kissonde





[vídeo cassetadas]& ou rapsódia para um desastre, [acompanhamento: gaita de boca]


e desligarão os aparelhos do cine vitória. mesmo com o ronco moto-contínuo das lotações, em seu vai-e-vem frenético e fumarento, mesmo com a loucura dos dólares e euros trocados ali mesmo na calçada, mesmo com o silêncio cansado das meretrizes já cansadas que ficam sentadas por aí pelos bancos das praças públicas, mesmo com o latido lancinante da cadelinha do Alemão, [uma célebre figura das ruas & morador delas], mesmo com o burburinho jornalesco dos engraxates, mesmo com a barganha barata dos vendedores de morangos da esquina da andrade neves.  mesmo tendo alguma canção senegalesa como pano de fundo disto tudo. mesmo com todo esse caos. ainda sim se ouvirá o estertor. o último suspiro. do último cinema de calçada da cidade de porto alegre. e depois chegará a vez da banca de jornal, do chaveiro, do sapateiro, do engraxate, do afiador de facas, do vendedor de churros e do de algodão doce. [Todos estes já uns minguados] até que enfim chegará o dia da anunciação do fim [o declínio derradeiro da coisa final mesmo, a queda, o Zé Fini] da última livraria de calçada da nossa cidade mui leal e valerosa. a rua já não é lugar para estas coisas. tudo que a gente necessita nesta vida, estará lindamente exposto nas vidraças insensíveis do Shopping Center Building. toda sorte de produtos, os mais variados, todos enlatados ou plastificados à nossa espera. inclusive, haverá livros, muitos livros! aliás, livros não, best-sellers. no dia seguinte a este dia desprezível, veremos pelas ruas carros voadores e outras modernidades vindas do futuro. e os mesmo tênis de luzinha estarão calçados nos pés daquelas doces criancinhas que andam à toa pela rua da Praia [espantadas com a altura das pessoas e dos prédios e atentas em não se perderem dos seus pais]. voltando a esta coisa do cinema, acho que Lumiére tinha mesmo razão. um dia fiquei sabendo de um guri de oito anos que encontrou no porão da casa dos avós alguns filmes em VHS, mais adiante, no meio daquela bagunça, desvendou uma Remington vermelho batom novinha, modelo Rand da década de 40, um verdadeiro luxo, quase que uma ferrari das máquinas de escrever [considere o anacronismo]. disseram que ele tomou um suador tentando achar um jeito de assistir aqueles dois filmes naquela engenhoca vermelha. cansado do insucesso daquela empresa. pisoteou o Godard com maestria de menino e depois avacalhou o exemplar do Bandido da Luz Vermelha com ajuda de uma caneta. muitas coisas hoje já não fazem mais sentido. vejam só, querem derrubar o Esqueleto para construir um estacionamento. No fim das contas, quando tudo for demolido, tudo for removido, tudo for derrubado nesta cidade. Quando este dia chegar, restará só o Bará do Mercado.

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