de costas

poema de Marco de Menezes




QUANDO O DEMIURGO VIRA AS COSTAS 

mais nos olhamos
mais nos encontramos
com pessoas de mentira
iguais a nós

não que algo resulte disso emocionante ou raro
ou que afete o nosso jeito súbito
e aos poucos tudo deixa-nos cansados

nós, os espantalhos,
somos muito exatos em nossas vidas
mas não a ponto de não pô-las em dúvida

não sabemos, por exemplo
de que é feito o feno ou a palha que nos enche
nem de qual rolo de tecido aquele que nos cria
tira as tiras de pano que nos cobrem

como homens pobres concedemos e servimos
àquele que perpétuo monitora
e como homens ricos que jamais seremos
gostamos de bons chapéus e de sapatos
a enfeitar a nossa pouca sorte

aqui nessa lavoura, durante a messe
quanto mais nos olhamos mais nos encontramos
com nossos duplos
que ao final são nossos monstros
que ao final são nossos filhos

se certa vez ao cair a noite no terreno
deres com um dos nossos
e for de tua índole ou desejo
algo bom nos alcançar em oferenda
deixa teu bornal, tua merenda
anel de merengue, caniço de taquara
garrafa de canha pelo meio
ou bem pode ser qualquer outra prenda

nós, os espantalhos, somos fracos
por ter algo novo em que pôr os olhos
visto que a nós mesmos já enjoamos
e de duplos e de monstros e de filhos
e visto que aquele que nos cria
anão feroz, deus enfermiço,
é de mentira e sequer nos olha

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

adoro os grandes capitalistas

à burrice

a despeito de