a cidade do espanto

poema de Alex Ratts




[imagem: Lalo de Almeida]



a cidade do espanto


a cidade do meu retorno
cidade que me espanta
feita por minhas avós
e meus avôs
minhas mães e meus pais
cidade de uma dívida

casa demolida
favela removida
ocupações renitentes

a parte que fizemos está guardada

ônibus nervosos
carros raivosos
motocicletas sensuais
bicicletas de trabalho e de passeio

cidade de canções percutidas 
movidas a violões ou sanfonas
tocadas em alto volume
nos fones, nas rodas, nas caixas

nas ruas e nas estações
quem eu quero
os homens pretos
os homens pardos
que são todos negros
de preta e indígena ascendência

alguns eu guardo nos olhos
outros eu escondo o nome e o querer
um ou outro eu levo
para a intimidade

cidade de mulheres pretas e índias
das travestis e mulheres trans
cidade de "boys" e bichas

a parte que faremos não está garantida

cidade da pegação e da transa
nas ruas, nos bares, 
nas boates, nos motéis
cidade da transgressão
e da coisa certinha

cidade de malabares, grafites e pichos
de um medo inventado
e uma violência vendida

os terrenos tomados pelos brancos e ricos
os terrenos de pretos e pobres e a insistência
a polícia defendendo os primeiros
ultimando os últimos

o centro de usos populares
o centro de personagens das margens

cidade de espíritos originários e transplantados
de igrejas à mostra e terreiros quase escondidos

cidade que já não me espanta
cidade da raça, do sexo, da grana
do amor rastreado
em poucas edificações
e quase proibido na praça

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