EM UM ALMOÇO DE DOMINGO OU NUM ENCONTRO DE TURMA


poema de Lucas Bronzatto





POEMA PARA SER LIDO EM UM ALMOÇO DE DOMINGO OU NUM ENCONTRO DE TURMA



E quando for o meu corpo
levado detido no meio de uma peça
impedido de terminar um poema num sarau
preso na sala de aula por discutir “ideologia de gênero”
vocês vendo o video também vão dizer que eu mereci?
que devia tá trabalhando e não fazendo essas vagabundagem
(ainda que essas vagabundagem sejam justamente trabalho)?
ou que esse é o preço que se paga pra arrumar a casa,
“primeiro a ordem e depois o progresso”?

E quando for o meu corpo
estirado no chão
ensanguentado
camiseta vermelha esburacada
escalpo de barba arrancada
vizinhos dizendo que ouviram gritos
de “Viva Bolsonaro!” antes dos disparos
vocês também vão acreditar na versão do whatsapp?

E quando for o meu corpo
de ponta cabeça num pau de arara
tomando choque no saco
barras de ferro enfiadas no meu cu
vocês também vão dizer ‘veja bem’
mas a Venezuela veja bem
extremismos tem dos dois lados?
ou que o presidente ser “honesto” importa mais
que o que ele pensa ou deixa de pensar sobre tortura?

E quando for o meu corpo
pendurado com uma corda no pescoço
numa montagem mal feita
tipo as que os militares faziam na ditadura
tipo essas que vocês compartilham em redes sociais
vocês vão passar adiante a foto
QUE A ESQUERDA NÃO QUER QUE VOCÊ VEJA
QUE O BRASIL INTEIRO PRECISA SABER
(com letras maiúsculas, claro)
que o assassinato do comunista (terrorista!) foi suicídio?

E quando for meu corpo
um dos corpos desaparecidos
minha mãe rodando desesperada por tribunais surdos
pedindo pra embalar seu filho
lançado do alto de um helicóptero pra escuridão do mar
vocês vão conseguir abraçá-la com as mãos sujas de meu sangue?
Que versão vocês vão contar para os meus sobrinhos?
A que vocês deram carta branca pra que isso acontecesse?
a que denuncia as provas forjadas pelos soldados
ou aquela que vai ser escrita nos porões dos novos dops?

Quando os “marginais vermelhos” forem todos varridos
quando chegar enfim o ponto final em todo ativismo no Brasil
quando for meu sangue
a manchar a bandeirinha verde e amarela
(mãe de tantos massacres)
que vocês tanto dizem que amam
não vai adiantar dizer
que sua bandeira nunca será vermelha
porque essa mancha minha
essa cor
nunca mais vai sair
quando for meu corpo
esse que já vem morrendo um pouco
a cada corpo que cai
em nome do capitão
em nome do capital


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