A morte


um ensaio sombrio de Demétrio Panarotto





A morte

                                                                                                      

A mão da morte segura o tornozelo do presidente.
O direito.
Aquilo que mantém o presidente respirando (artificialmente) é a mão do mercado.
Para quem ainda não entendeu: a mão do mercado e a mão da morte dividem o mesmo corpo.
Quando elas se encontrarem e provocarem um estalo, tão pequeno que nem será ouvido em meio à tormenta, o cadáver apenas sucumbirá ao seu deslumbramento.
Um tombo.
Para além disso, gostaria que todos, independentemente de suas paixões, olhassem para a cena (da mão da morte segurando o tornozelo do presidente), primeiro, como se fosse um plano aberto e, depois, como uma sequência que está por vir, para que se tenha dimensão do estrago.
Peço que todos façam isso com aquele olhar de quem assiste a um filme de Hitchcock, em que o cineasta, sem que os personagens percebam, mostra ao público, passo a passo, aquilo que está por acontecer. (Lembrem-se, por favor, que, quando o personagem se dá conta, na maioria das vezes, não há mais tempo.)
Sei que esse meu querer, que parte de um simples plano aberto, não passa de um dos tantos que me alimentam a insônia nas últimas horas dias meses (talvez um pouco mais); há uma centena de quereres a espreita que seguirão rangendo em meus ouvidos.
Esse, o da mão da morte no tornozelo do presidente, é mais urgente.
Esse é muito mais urgente.
A insônia seguirá sendo companheira.
Primeiro, as urgências.
Reintero que a mão, a que me refiro, segura firme.
O presidente sabe sente esperneia e se agarra a um cordão de filhos da puta pra se manter ainda de pé, proferindo pandemônios.
[Em alguns filhos da puta ele segura firme no pescoço; é o caso do marreco, que nem reagir mais consegue.]
De onde as pessoas que se seguram ao presidente (e que se seguram uns aos outros, todos abraçados numa comunhão dos infernos) se encontram, não dá pra ver o estrago que nos aguarda, creio que seja impossível. (Se fosse apenas um filme, seria genial; a ficcionalidade do dia a dia parece em comunhão com os deuses do olimpo.)
O que nos aguarda é algo que, do lugar em que nos encontramos, nunca havíamos imaginados que tinha esse potencial de vida e morte. (Não precisa ser um gênio para perceber essa potência).
Reforço que não é nada parecido com aquilo que nos últimos anos os bocó da imprensa chamaram de crise (econômica social política).
Triste dizer que parte dos bocó ainda não conseguiu perceber o estrago pois seguem, como papagaios da colônia-do-deus-me-ajuda, comendo e ciscando na mão do presidente.
[Se houvesse aqui uma música te fornicando os ouvidos, ao estilo Tubarão, o filme, a cena se transformaria num blockbuster; na sequência do filme que segue, não há música e a sonoplastia, ainda mais pungente, será de carne e osso.]
O rosto da morte, aquele que ri enquanto segura o tornozelo do presidente, é simplesmente irônico, parece que não precisa de outro artifício cênico. (Afinal, a ironia cai como uma deusa no colo dos medíocres; ah, dos outros também).
A morte, a que nos aguarda, será de caçamba: no primeiro dia, o cidadão enterra os mortos; no dia seguinte, é o corpo do cidadão (o mesmo que enterrava) que será empurrado para as covas pela pá das retroescavadeiras.
Acho que nem um centavo a menos.
Mesmo torcendo para que tudo isso não passe de exagero da minha parte.
Para que todos estejam preparados, afinal, quando a doença mental do presidente — aquela que todos sabiam que ele tinha e que foi aliada de sua campanha a presidência — sair de vez da fotografia oficial, vai ser um surto sem tamanho. Não obstante, acontecerá em concomitância com o surto do séquito de bezerros do ódio que o seguem.
Seremos, todos, causa e consequência.
De certo, por ora, é que a mão o pegou de cheio, não há mais como o presidente se desfazer desse jogo íntimo com a morte.
Eles já dormem de conchinha.
O cheiro de um está grudado no cheiro do outro.
Não é necessário reforçar que o presidente sempre esteve à procura desse momento.
É o conflito aquilo que o mantém, não a serenidade.
No detalhe, a morte vai, sem delongas, resolver todos os problemas que dele emergem e, admito, isso não resultará num furo de reportagem. 
Antes disso, a batalha vai ser longa e sangrenta.
Contra a morte, sei que a obviedade aqui é um crime, ninguém pode.
Essa, por sua vez, já aparece no quadro.
Assim, o que está em jogo não é mais se o presidente morreu ou não. A questão é pensar como ainda não o enterraram.
A urgência, que alertei no começo do texto, é para que possamos conter a quantidade elevada de inocentes que ele vai conseguir levar para o inferno da família buraco.
Parte desses,  é inocente por burrice mesmo.
[Da até dó de sentir pena.]
A mão da morte que segura o tornozelo do presidente já ganhou essa batalha.
Por favor, sejamos mais eficientes.
Afinal, chega de dizer por aí que o presidente é uma ameba, um energúmeno, um qualquer-coisa. Para uma grande parte do eleitorado, as palavras já não fazem sentido algum.
Com um pouco de esperança nos olhos, acredito que, mesmo diante do trauma bem maior do que poderíamos imaginar, reste a certeza, para os que seguirem, de que o mundo será outro. 
Espero que esse outro mundo não se pareça nem com a mão que segura o tornozelo do presidente, nem com o próprio presidente.
Pois aí teríamos a certeza, mesmo diante dos loucos que tentam escondê-la embaixo de umas camisetas e bandeirolas verde e amarelas, de que o diabo é (ou sempre foi) brasileiro.

[Ao fundo, depois de terminar o texto, sigo ouvindo os gritos emitidos em frente aos seus semelhantes (o espelho de cada um): eu ainda sou o presidente eu ainda sou o presidente eu ainda sou o presidente eu ainda sou o presidente eu ainda sou o presidente eu ainda sou o presidente...]


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